O show
começou, eu e Aline estávamos sendo arremessados para a direita e esquerda,
tomando cotoveladas de pessoas que sem via de dúvidas eram mais fortes que nós.
Uma roda de marombados havia se formado em volta de Aline, um deles, creio que
sem querer, estava enforcando-a, comecei a socá-los pedindo para tirá-la
daquela orgia de imbecis, um dos caras atendeu meu pedido.
Rodas e
Rodas de pessoas frenéticas empurrando umas a outras (conhecido como Mosh Pits,
pelo menos é o que sei, ou serão bate cabeças? Não sei...) se formavam em nossa
frente, ao nosso lado e atrás de nós, não havia como escapar daquele
treinamento para o Apocalipse. Estava gostando das músicas sim, mas o caos
deixava-me aflito.
De uma
hora para outra o povo começou a empurrar, Aline perdeu o equilíbrio e caiu
numa das rodas que se formara em nossa frente, como estava de mãos dadas a ela,
também fui arremessado, tirei-a, mas não consegui sair a tempo. Um homem
grande, alto, forte, tatuado, sem camisa e careca, pesando muitos quilos, um
grande de um filho de uma puta para se dizer pouco, encravou seu tênis tamanho
44-46 em minha panturrilha e canela. Sim, um pé todo com toda força. Pode ser
até que ele não tenha a culpa real, mas fiquei puto, consegui sair logo após,
mas pensando que minha perna tinha se quebrado.
Com o
sangue ainda quente prossegui assistindo o show. Foram uma, duas, três, quatro,
cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze... E aquela porra de show
nunca acabava. Músicas longas, com batidas fortes, eu e Aline cansados para
caralho no meio daquela imitação de inferno que nunca havia fim. Cantei “Chop
Suey!” com muita força e ainda conseguia pular, sim, conseguia... “Chop Suey!”
estava praticamente na metade dos shows, Aline se cansou. Eu já estava cansado
há horas atrás, principalmente depois do aperta-aperta do show de Evanescence,
mas não era por causa daquela porcaria toda que eu iria desistir de ver Mr. Axl
Rose e sua trupe. Só me vinha uma palavra naquele momento em minha cabeça:
“Sugar”, que simbolizava o fim de toda aquela patifaria.
“Sugar”
foi tocada. Serj agradeceu o público. O som parou. Aline encontrou Antonio e
Adiel e os três se foram para bem longe de mim. Agora era eu, Deus, meus amigos
e família em casa assistindo e um puta de um show a ser assistido. Quando
percebi que estava sozinho de vez, vi que a maioria das pessoas que estavam na
frente do palco, (pelo menos onde eu estava localizado, do lado esquerdo)
saiam. Resolvi engatar a primeira e ir para a contramão. Peguei carona em um
garoto que tinha mais ou menos a minha idade também, ele abria o caminho em
meio ao povo e eu colava atrás indo para frente.
Quando
me dei por conta estava bem na frente do palco, do lado esquerdo, avistando a
grade de segurança. Era lá mesmo que eu iria. Enfiei-me entre o povo, consegui
chegar à grade, mas o povo estava apertando muito e comecei a passar mal
novamente! Um latino americano gritava, em espanhol, palavrões para os outros
que estavam próximos por empurrar tanto, realmente esmagamento era pouco para
descrever aquilo, mas ninguém deu bola para um cara daquela espécie, afinal
ninguém estava entendendo muito que o cara dizia mesmo. Os bombeiros também
começaram a distribuir copinhos de água mineral (aquele do qual estava segurando
um tempo atrás, não havia durado nem duas músicas do show do System).
A água
não foi suficiente nem para atender 1% daquela porcariada de multidão. Como não
consegui nem um copinho d’água se quer e como estava também passando mal sendo
ignorado pelas divindades ali naquele rodeio, resolvi desistir de ficar na
grade e fui alguns passos para trás. Afastei-me um pouco, mas ainda estava em
um bom lugar, um pouco mais próximo do que estava na primeira vez que cheguei
ao palco (às 15h30min). Eram 1h40min da manhã de segunda feira, saberia que
teria que esperar um pouquinho, pois Mr. Axl sempre tem um atraso, na verdade,
um bom atraso.
Agora
uma outra história sobre água. Enquanto estava esperando o show começar, já
fora da grade de segurança por motivos maiores, lembrei-me que vovó havia dado
uma água dessas novas águas sem sódio. Resolvi levar a garrafa mesmo sabendo
que não poderia entrar no festival com uma, eu, então resolvi escondê-la. A
garrafinha conseguiu ser passada pela segurança escondida embaixo da minha
blusa, deu certo. Só que nos outros shows, estava com muitas dificuldades de
pegá-la no meio das outras coisas que havia em minha bolsa. Só agora que estava
com tempo e espaço suficiente para encontrar a dita cuja. Dito e feito, eu
peguei a garrafa da minha mochila e levei até a boca, estava quente, mas era a
única coisa que eu estava tendo para tomar, principalmente depois que os
“camelôs-da-água” pararam de passar entre o público.
Enquanto
estava com a água meio escondida entre as mãos, um headbanguer chamou-me, eu
olhei, ele estava com uma incrível cara de pena e dó e me pedia com toda a
verdade do mundo: “É sua essa garrafinha mano? Será que não tem como dar um
golinho que seja para mim?”. Eu, obviamente com dó, dei, pois não precisava de
muita água para meu corpo, já tinha tomado quatro copinhos. Outro garoto
avistou o primeiro com a minha garrafa, foi o suficiente para o outro pedir
também, eu disse que poderia pegar, mas UM POUCO. Eles fizeram jus ao pouco,
porque se eu não tivesse falado eles tinham terminado com a minha garrafa.
Quando me devolveram estava pela metade.
Outro
menino, este sim, aproximadamente da minha idade, ou até menos, me pediu um
gole d’água. Também dei, este pedia pelo amor de Deus, e eu estava um pouco
caridoso acima do normal, talvez porque veria o Guns dali alguns instantes.
Trocamos algumas palavras, ele era carioca, percebia-se pelo sotaque, estava
com o tio. Enquanto conversávamos, o melhor, ou o pior, começou a acontecer. As
nuvens que estavam sobre nossas cabeças começavam a despencar gotas grossas de
chuva.
Estava
gostoso no começo, refrescava aquele povo que estava em um bafo infernal, uns
grudados aos outros, mas depois a chuva apertou, veio uma tempestade, consegui
pegar a capa que estava na minha bolsa, mas até colocá-la, molhei-me um pouco.
Faz parte da situação.
Não
agüentava mais a idéia de estar ali, fazia mais de vinte horas que estava de pé
e sendo esmagado, seja nas filas, embaixo de Sol, ou já dentro do Rock in Rio,
no meio daquela cidade toda que estava ali por um só ideal, ver as porras dos
shows. Enfim, a chuva caia sobre a capa fazendo um barulho gostoso, lembrei-me
de casa, queria falar com alguém, mas não poderia tirar o celular no meio
daquela chuva. Eu e o moleque que estava comigo estávamos calados. Já eram mais
de duas da manhã.
Enquanto
isso no meio do palco, milhares de pessoas, corriam desesperadamente para lá e
para cá, colocando capas e capas em equipamentos e desligando a maioria deles,
algumas mulheres com imensos rodos, faziam o escoamento da água à força, foi
incrível ver que aquele palco daquele tamanho tinha um defeito que poderia
deixar o último show do festival ainda pior. Como que o arquiteto que monta
aquele palco não consegue colocar um sistema de escoamento de água no meio de
toda aquela parafernália?
Enfim,
aqueles malditos vídeos ainda passavam nos telões, e eram os mesmos de todos os
shows interiores, resolvi então fechar os olhos no meio de todo aquele povão,
parece até que cochilei em pé alguns segundos, eu sentia o som de tudo aquilo
ficando mudo. Só acordei em meio de tudo aquilo quando a voz de um cara
começara a gritar desesperadamente: “Alguém aí tem seda?”. Abri os olhos e vi
próximo ao meu lado esquerdo um casal de amigos ou namorados, com dois
saquinhos lotados de Cannabis. Disse: “Aonde, nessa hora, nessa situação em que
nos encontramos, alguém iria ter seda?”, mas parece que o casal ignorou-me e
procurou e continuou procurando.
A chuva
tinha diminuído sua força, mas não havia parado. Já estava começando a orar,
não agüentava mais, minha panturrilha e canela machucada estava latejando
demais, resolvi ver o horário, eram duas e quinze, e também com o horário
estavam quatro novas mensagens, isso que dá deixar o celular nos bolsos
escondidos da sua calça jeans. As duas primeiras mensagens diziam sobre o mesmo
assunto, e resumindo aqui para vocês leitores elam tinham um único objetivo.
Lilian, Meire, Aline, Adiel e Antonio, não estavam mais na cidade do Rock,
quando a chuva havia começado, todos foram para o ônibus.
Enquanto
tais mensagens traziam-me medo por agora realmente estar sozinho no Rio, as
outras duas me traziam força, eram Douglas e Guilherme falando comigo, estavam
dizendo que estavam assistindo e ainda que estivesse me ferrando por causa da
chuva, mas mal sabiam eles que eu tinha comprado uma capa de chuva. Percebi que
todo o povo brasileiro fã do festival e de um rock, principalmente o Guns n’
Roses, estava esperando pela banda, e que não era porque estava sozinho na
cidade maravilhosa que eu iria desperdiçar a chance de ver meu ídolo tão de
perto quanto estava.
Gritos
de “Ei Axl, vai tomar no cu”, vaias, entre outros palavrões, vinham do povo já
irritado pelo atraso. Resolveram testar os instrumentos, talvez principalmente
para o povo já entrar em sintonia com o palco e parassem de se manifestar, ri.
Primeiro a bateria, depois as guitarras, até que de uma hora para outra o palco
fica totalmente em cor roxa, e uma música totalmente macabra começa a tocar.
Gritos histéricos vêm de onde estava, arrepiei, comecei a perceber que a hora
chegava, todos os quatrocentos dias de preparação estavam por vir ao fim,
Mister Axl Rose estava a adentrar no palco.
A música
já tocava por uns dois, três minutos. Meu corpo já arrepiado entrava em
associação com a minha mente e resolvi ir um pouco mais pra frente, pois o show
iria começar, tinha certeza disso. E como tinha certeza, a música macabra parou
de tocar, e a introdução do Chinese Democracy, associado às imagens no telão
começava, e eu já fora de mim, todo arrepiado, comecei a gritar histericamente
ficando rouco. DJ Ashba apareceu ao meio do palco e foi o suficiente para eu
desabar. Sim, eu chorei, chorei muito no começo do show. Ashba tocou os
primeiros acordes de Chinese até estourar alguns fogos indoor e Axl aparecer no
palco dançando e cantando, recuperei minhas forças e sai pulando em frenesi.
Única foto que consegui tirar de Axl e sua trupe, logo após esta, a máquina desligou, pois tinha acabado a bateria. |
Axl nos
deu um “Good Morning” às 2h40min da manhã, tirou um sarro dizendo que ele ouviu
o povo o mandando tomar no cu e partiu para Welcome to the jungle. Nesta eu
pulei ainda mais, a voz daquela criatura é inacreditável, motivo de crítica
para a mídia depois, mas foda-se, ele continuava sendo o Axl para mim. Depois
vieram as outras, mas uma em especial tocou meu coração na hora certa, quando
Axl começou a cantar “November Rain”, uma lágrima se misturou às gotas de chuva
caindo sobre meu rosto. Agradecia a Deus e as pessoas que fizeram com que meu
sonho desse certo, eu estava ali, só poderia estar ali. Foi sim, um incrível
show, o único que realmente emocionou-me de verdade até hoje. O único que me
fez chorar.
Depois
do show, houve uma queima de fogos, também linda por sinal. Às 5h15min sai da
cidade do rock, estava amanhecendo no Rio de Janeiro, ainda chovia, era uma
garoa fina, típica de cidade litorânea. Peguei o ônibus às 5h35min e cheguei ao
ônibus às 6h00min. Deitei no banco e desmaiei, só acordei para dar meu nome ao
Abreu, para a lista de presença e também para o cara que estava ao meu lado
passar.
Acordei
às 10h00min da manhã, com muita ânsia, afinal, meu estômago estava vazio desde
oito horas da noite do dia passado. Resolvi comer algo, abaixei para pegar
minha bolsa e quase vomitei, então pensei “Ah, quer saber, foda-se”, peguei e
dormi novamente. Acordei só às 11h30min, o ônibus tinha parado em um Graal. Resolvi
descer para comer algo, antes que eu passasse ainda mais mal. Fiz o meu
primeiro xixi no dia no Graal, lembrem-se que o último que eu fiz foi no
banheiro do rock in rio às 15h30min.
Comprei um misto quente e uma fanta uva, resolvi
um grande problema que era minha fome. Voltei para o ônibus e continuei
dormindo até umas 15h00min. Conversei com o cara do meu lado e com a garota que
dei o lugar da frente, falávamos sobre shows e percebi que ainda tinha muito
para onde ir. Também falamos sobre o show do Guns, e também percebi que não foi
melhor, nem aqui, nem na Chinese Democracy que foi o melhor da turnê.
Depois
de trocarmos algumas palavras sobre assuntos diversos, percebi que estávamos chegando,
liguei para minha mãe ir me buscar no fórum velho, agradeci Abreu quando
desembarquei, beijei Meire, pois era a única que tinha ficado até o ponto
final, e andei em direção ao carro de minha mãe satisfeito, mas com meus pés
quase em carne viva de tão enrugados dos tênis molhados.
Esta foi,
sem via de dúvidas, a melhor aventura da minha vida até então, sei que terei
outras, mas meu primeiro festival, meu primeiro show internacional, e meu
primeiro show do Guns n’ Roses (Sei que haverão outros dependendo do meu
fanatismo), eu nunca irei esquecer. Quero agradecer a todos que me suportaram
diante destes episódios e eu sei que em 2013 EU VOU! Mas até lá...
B. Bellato (Vulgo O Bellatore).
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