28 de outubro de 2011

Rock in Rio - Eu fui [Parte Final - Episódio 11]


O show começou, eu e Aline estávamos sendo arremessados para a direita e esquerda, tomando cotoveladas de pessoas que sem via de dúvidas eram mais fortes que nós. Uma roda de marombados havia se formado em volta de Aline, um deles, creio que sem querer, estava enforcando-a, comecei a socá-los pedindo para tirá-la daquela orgia de imbecis, um dos caras atendeu meu pedido.
Rodas e Rodas de pessoas frenéticas empurrando umas a outras (conhecido como Mosh Pits, pelo menos é o que sei, ou serão bate cabeças? Não sei...) se formavam em nossa frente, ao nosso lado e atrás de nós, não havia como escapar daquele treinamento para o Apocalipse. Estava gostando das músicas sim, mas o caos deixava-me aflito. 
De uma hora para outra o povo começou a empurrar, Aline perdeu o equilíbrio e caiu numa das rodas que se formara em nossa frente, como estava de mãos dadas a ela, também fui arremessado, tirei-a, mas não consegui sair a tempo. Um homem grande, alto, forte, tatuado, sem camisa e careca, pesando muitos quilos, um grande de um filho de uma puta para se dizer pouco, encravou seu tênis tamanho 44-46 em minha panturrilha e canela. Sim, um pé todo com toda força. Pode ser até que ele não tenha a culpa real, mas fiquei puto, consegui sair logo após, mas pensando que minha perna tinha se quebrado.
Com o sangue ainda quente prossegui assistindo o show. Foram uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze... E aquela porra de show nunca acabava. Músicas longas, com batidas fortes, eu e Aline cansados para caralho no meio daquela imitação de inferno que nunca havia fim. Cantei “Chop Suey!” com muita força e ainda conseguia pular, sim, conseguia... “Chop Suey!” estava praticamente na metade dos shows, Aline se cansou. Eu já estava cansado há horas atrás, principalmente depois do aperta-aperta do show de Evanescence, mas não era por causa daquela porcaria toda que eu iria desistir de ver Mr. Axl Rose e sua trupe. Só me vinha uma palavra naquele momento em minha cabeça: “Sugar”, que simbolizava o fim de toda aquela patifaria.
“Sugar” foi tocada. Serj agradeceu o público. O som parou. Aline encontrou Antonio e Adiel e os três se foram para bem longe de mim. Agora era eu, Deus, meus amigos e família em casa assistindo e um puta de um show a ser assistido. Quando percebi que estava sozinho de vez, vi que a maioria das pessoas que estavam na frente do palco, (pelo menos onde eu estava localizado, do lado esquerdo) saiam. Resolvi engatar a primeira e ir para a contramão. Peguei carona em um garoto que tinha mais ou menos a minha idade também, ele abria o caminho em meio ao povo e eu colava atrás indo para frente.
Quando me dei por conta estava bem na frente do palco, do lado esquerdo, avistando a grade de segurança. Era lá mesmo que eu iria. Enfiei-me entre o povo, consegui chegar à grade, mas o povo estava apertando muito e comecei a passar mal novamente! Um latino americano gritava, em espanhol, palavrões para os outros que estavam próximos por empurrar tanto, realmente esmagamento era pouco para descrever aquilo, mas ninguém deu bola para um cara daquela espécie, afinal ninguém estava entendendo muito que o cara dizia mesmo. Os bombeiros também começaram a distribuir copinhos de água mineral (aquele do qual estava segurando um tempo atrás, não havia durado nem duas músicas do show do System).
A água não foi suficiente nem para atender 1% daquela porcariada de multidão. Como não consegui nem um copinho d’água se quer e como estava também passando mal sendo ignorado pelas divindades ali naquele rodeio, resolvi desistir de ficar na grade e fui alguns passos para trás. Afastei-me um pouco, mas ainda estava em um bom lugar, um pouco mais próximo do que estava na primeira vez que cheguei ao palco (às 15h30min). Eram 1h40min da manhã de segunda feira, saberia que teria que esperar um pouquinho, pois Mr. Axl sempre tem um atraso, na verdade, um bom atraso.
Agora uma outra história sobre água. Enquanto estava esperando o show começar, já fora da grade de segurança por motivos maiores, lembrei-me que vovó havia dado uma água dessas novas águas sem sódio. Resolvi levar a garrafa mesmo sabendo que não poderia entrar no festival com uma, eu, então resolvi escondê-la. A garrafinha conseguiu ser passada pela segurança escondida embaixo da minha blusa, deu certo. Só que nos outros shows, estava com muitas dificuldades de pegá-la no meio das outras coisas que havia em minha bolsa. Só agora que estava com tempo e espaço suficiente para encontrar a dita cuja. Dito e feito, eu peguei a garrafa da minha mochila e levei até a boca, estava quente, mas era a única coisa que eu estava tendo para tomar, principalmente depois que os “camelôs-da-água” pararam de passar entre o público.
Enquanto estava com a água meio escondida entre as mãos, um headbanguer chamou-me, eu olhei, ele estava com uma incrível cara de pena e dó e me pedia com toda a verdade do mundo: “É sua essa garrafinha mano? Será que não tem como dar um golinho que seja para mim?”. Eu, obviamente com dó, dei, pois não precisava de muita água para meu corpo, já tinha tomado quatro copinhos. Outro garoto avistou o primeiro com a minha garrafa, foi o suficiente para o outro pedir também, eu disse que poderia pegar, mas UM POUCO. Eles fizeram jus ao pouco, porque se eu não tivesse falado eles tinham terminado com a minha garrafa. Quando me devolveram estava pela metade.
Outro menino, este sim, aproximadamente da minha idade, ou até menos, me pediu um gole d’água. Também dei, este pedia pelo amor de Deus, e eu estava um pouco caridoso acima do normal, talvez porque veria o Guns dali alguns instantes. Trocamos algumas palavras, ele era carioca, percebia-se pelo sotaque, estava com o tio. Enquanto conversávamos, o melhor, ou o pior, começou a acontecer. As nuvens que estavam sobre nossas cabeças começavam a despencar gotas grossas de chuva.
Estava gostoso no começo, refrescava aquele povo que estava em um bafo infernal, uns grudados aos outros, mas depois a chuva apertou, veio uma tempestade, consegui pegar a capa que estava na minha bolsa, mas até colocá-la, molhei-me um pouco. Faz parte da situação.
Não agüentava mais a idéia de estar ali, fazia mais de vinte horas que estava de pé e sendo esmagado, seja nas filas, embaixo de Sol, ou já dentro do Rock in Rio, no meio daquela cidade toda que estava ali por um só ideal, ver as porras dos shows. Enfim, a chuva caia sobre a capa fazendo um barulho gostoso, lembrei-me de casa, queria falar com alguém, mas não poderia tirar o celular no meio daquela chuva. Eu e o moleque que estava comigo estávamos calados. Já eram mais de duas da manhã.
Enquanto isso no meio do palco, milhares de pessoas, corriam desesperadamente para lá e para cá, colocando capas e capas em equipamentos e desligando a maioria deles, algumas mulheres com imensos rodos, faziam o escoamento da água à força, foi incrível ver que aquele palco daquele tamanho tinha um defeito que poderia deixar o último show do festival ainda pior. Como que o arquiteto que monta aquele palco não consegue colocar um sistema de escoamento de água no meio de toda aquela parafernália?
Enfim, aqueles malditos vídeos ainda passavam nos telões, e eram os mesmos de todos os shows interiores, resolvi então fechar os olhos no meio de todo aquele povão, parece até que cochilei em pé alguns segundos, eu sentia o som de tudo aquilo ficando mudo. Só acordei em meio de tudo aquilo quando a voz de um cara começara a gritar desesperadamente: “Alguém aí tem seda?”. Abri os olhos e vi próximo ao meu lado esquerdo um casal de amigos ou namorados, com dois saquinhos lotados de Cannabis. Disse: “Aonde, nessa hora, nessa situação em que nos encontramos, alguém iria ter seda?”, mas parece que o casal ignorou-me e procurou e continuou procurando.
A chuva tinha diminuído sua força, mas não havia parado. Já estava começando a orar, não agüentava mais, minha panturrilha e canela machucada estava latejando demais, resolvi ver o horário, eram duas e quinze, e também com o horário estavam quatro novas mensagens, isso que dá deixar o celular nos bolsos escondidos da sua calça jeans. As duas primeiras mensagens diziam sobre o mesmo assunto, e resumindo aqui para vocês leitores elam tinham um único objetivo. Lilian, Meire, Aline, Adiel e Antonio, não estavam mais na cidade do Rock, quando a chuva havia começado, todos foram para o ônibus.
Enquanto tais mensagens traziam-me medo por agora realmente estar sozinho no Rio, as outras duas me traziam força, eram Douglas e Guilherme falando comigo, estavam dizendo que estavam assistindo e ainda que estivesse me ferrando por causa da chuva, mas mal sabiam eles que eu tinha comprado uma capa de chuva. Percebi que todo o povo brasileiro fã do festival e de um rock, principalmente o Guns n’ Roses, estava esperando pela banda, e que não era porque estava sozinho na cidade maravilhosa que eu iria desperdiçar a chance de ver meu ídolo tão de perto quanto estava.
Gritos de “Ei Axl, vai tomar no cu”, vaias, entre outros palavrões, vinham do povo já irritado pelo atraso. Resolveram testar os instrumentos, talvez principalmente para o povo já entrar em sintonia com o palco e parassem de se manifestar, ri. Primeiro a bateria, depois as guitarras, até que de uma hora para outra o palco fica totalmente em cor roxa, e uma música totalmente macabra começa a tocar. Gritos histéricos vêm de onde estava, arrepiei, comecei a perceber que a hora chegava, todos os quatrocentos dias de preparação estavam por vir ao fim, Mister Axl Rose estava a adentrar no palco.
A música já tocava por uns dois, três minutos. Meu corpo já arrepiado entrava em associação com a minha mente e resolvi ir um pouco mais pra frente, pois o show iria começar, tinha certeza disso. E como tinha certeza, a música macabra parou de tocar, e a introdução do Chinese Democracy, associado às imagens no telão começava, e eu já fora de mim, todo arrepiado, comecei a gritar histericamente ficando rouco. DJ Ashba apareceu ao meio do palco e foi o suficiente para eu desabar. Sim, eu chorei, chorei muito no começo do show. Ashba tocou os primeiros acordes de Chinese até estourar alguns fogos indoor e Axl aparecer no palco dançando e cantando, recuperei minhas forças e sai pulando em frenesi.
Única foto que consegui tirar de Axl e sua trupe, logo após esta,
a máquina desligou, pois tinha acabado a bateria. 
Axl nos deu um “Good Morning” às 2h40min da manhã, tirou um sarro dizendo que ele ouviu o povo o mandando tomar no cu e partiu para Welcome to the jungle. Nesta eu pulei ainda mais, a voz daquela criatura é inacreditável, motivo de crítica para a mídia depois, mas foda-se, ele continuava sendo o Axl para mim. Depois vieram as outras, mas uma em especial tocou meu coração na hora certa, quando Axl começou a cantar “November Rain”, uma lágrima se misturou às gotas de chuva caindo sobre meu rosto. Agradecia a Deus e as pessoas que fizeram com que meu sonho desse certo, eu estava ali, só poderia estar ali. Foi sim, um incrível show, o único que realmente emocionou-me de verdade até hoje. O único que me fez chorar.
Depois do show, houve uma queima de fogos, também linda por sinal. Às 5h15min sai da cidade do rock, estava amanhecendo no Rio de Janeiro, ainda chovia, era uma garoa fina, típica de cidade litorânea. Peguei o ônibus às 5h35min e cheguei ao ônibus às 6h00min. Deitei no banco e desmaiei, só acordei para dar meu nome ao Abreu, para a lista de presença e também para o cara que estava ao meu lado passar.
Acordei às 10h00min da manhã, com muita ânsia, afinal, meu estômago estava vazio desde oito horas da noite do dia passado. Resolvi comer algo, abaixei para pegar minha bolsa e quase vomitei, então pensei “Ah, quer saber, foda-se”, peguei e dormi novamente. Acordei só às 11h30min, o ônibus tinha parado em um Graal. Resolvi descer para comer algo, antes que eu passasse ainda mais mal. Fiz o meu primeiro xixi no dia no Graal, lembrem-se que o último que eu fiz foi no banheiro do rock in rio às 15h30min. 
 Comprei um misto quente e uma fanta uva, resolvi um grande problema que era minha fome. Voltei para o ônibus e continuei dormindo até umas 15h00min. Conversei com o cara do meu lado e com a garota que dei o lugar da frente, falávamos sobre shows e percebi que ainda tinha muito para onde ir. Também falamos sobre o show do Guns, e também percebi que não foi melhor, nem aqui, nem na Chinese Democracy que foi o melhor da turnê.
Depois de trocarmos algumas palavras sobre assuntos diversos, percebi que estávamos chegando, liguei para minha mãe ir me buscar no fórum velho, agradeci Abreu quando desembarquei, beijei Meire, pois era a única que tinha ficado até o ponto final, e andei em direção ao carro de minha mãe satisfeito, mas com meus pés quase em carne viva de tão enrugados dos tênis molhados.
Esta foi, sem via de dúvidas, a melhor aventura da minha vida até então, sei que terei outras, mas meu primeiro festival, meu primeiro show internacional, e meu primeiro show do Guns n’ Roses (Sei que haverão outros dependendo do meu fanatismo), eu nunca irei esquecer. Quero agradecer a todos que me suportaram diante destes episódios e eu sei que em 2013 EU VOU! Mas até lá... 

B. Bellato (Vulgo O Bellatore).

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