8 de setembro de 2014

Aguardando primaveras

   Resolve viver. De vez em quando entontecido com os problemas rotineiros admira-se pelo fato de não se envolver nos pequenos distúrbios do mundo. O dinheiro, o gato sem saúde, a chuva ou a falta dela, a parcela em atraso do carro, o pó que deixou de cheirar ou a sentinela e o aviso de Deus em sair dessa enquanto pode, os galhos quebrados do ipê da esquina, a rua recém sinalizada, nada o impede de sorrir.
    Sai, sem rumo em primeiro instante, mas encontra em pouco tempo o prazer. Qual deles? Os mais simples detalhes de se viver. As borboletas expostas no jardim de tulipas abertas, as abelhas em volta das rosas brancas,  os vira-latas roubando a cena do parque em uma sutil brincadeira animalisticamente engraçada. Espaidece. Anoitece entre o por do Sol sagrado, envolto do reflexo no lago não tão limpo, ia até acender um cigarro, mas resolve jogar o maço quase vazio.
    Entra no botequim da esquina, toma um pingado, se vê sismado, logo assustado, não sabia onde estava, até sabia, mas o corpo. Sua alma foi levada pela brisa grossa de Setembro, seu corpo aguardava pela primavera. Pena que ela não chegava.
    Saiu do bar, esqueceu das borboletas, das flores, dos zangões e dos cães. Lembrou do carro que deixou no estacionamento do antigo edificio da rua manoel josé carlos albuquerque, lembrou das prestações atrasadas e até do pó. Voltou pra casa cabisbaixo, envolto da sujeira do corredor de ônibus da avenida, dos assombros de mendigos craqueiros suplicando por centavos, da menina que mais corria que andava para tentar fugir desapercebida diante do caos urbano. Logo que chegou abriu as portas e deitou no colchão duro. Sorriu, ja logo começava a madrugada. Resolveu agora dormir. Segunda estava começando e a primeira que ele esperava deixou logo pra lá.

B. Bellato

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